terça-feira, 5 de março de 2024

talvez nada durasse mesmo
talvez a vida fosse apenas isto:
um punhado de dias adormecidos

em vão espero despertar
a mãe que não volta
o pai que não volta
o amor que não volta

e o tempo (quanta preocupação
o tempo não volta
Brincadeira Brincadeira toda hora de esconder tesoq⁹tesouras uros:
o tempo não volta

enquanto escrevo
ele escorre dos dedos
(penso que o comando
tola que sou
em escrever versos sobre o tempo)
ele ri de mim
anda me dando adeus devagarinho
e eu nem percebo

acumulei meus dias e noites
cuidei dos detalhes 
da casa
que pensei segura
segura de nada
sou inquilina de tudo
até de mim
desse corpo
que bem conheço
e que me surpreende
com a novidade
da velhice
que se instala

pensei estreitar 
os pontos:
pessoas e histórias não resistem
ao tempo, ninguém há de lembrar-se
de nada, do carinho vago sobre a pele morna
dos afagos e cuidados, que esses escorrem pelo ralo

talvez creditei muito ao tempo, coisa inefável
talvez a mão pesou mais do que devia

a inocência ainda ancora em meu peito
casulo de nada

talvez o certo seria não esperar nada
talvez o regalo prometido fosse este mesmo:
noz vazia

talvez em algum desvão esgotaram-se todas as possibilidades:
o verde entre as flores, a água na fonte, o lume dos olhos

o tempo, esse continua lá
escorrendo.

(Claudia Manzolillo)

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