Há alguns anos reencontrei Túlio no Rio. Ele havia descoberto algo que queria me mostrar. Ali, no bairro do Peixoto, chegamos à porta de um antigo prédio. “Suba! Ela está nos esperando”. Estava. “Você veio aqui para ouvir a história, não é?”, perguntou a velha senhora de sorriso lento e doce.
Contou-me
que, em seus últimos anos de vida, Pedro, seu marido, passou a cumprir
um ritual. Acordava assoviando, tomava banho demorado, fazia a barba, se
perfumava e saía. Dia após dia, todos os dias. Ela, que não era das
mais ciumentas, começou a desconfiar e decidiu seguir o safardana.
Lerdo, caminhou até uma praça, onde esperou por alguém que não veio.
Escreveu ali mesmo um bilhete demorado, que deitou sobre o banco. Uma
carta pra outra.
“Leia você mesmo”, disse Anália mostrando-me uma caixa de madeira ao lado do sofá.
“Querida,
desculpe-me trazê-la tão longe. Venho aqui todos os dias para te
encontrar, porque, depois de tantos anos naquela casa, eu nos vejo em
cada detalhe, mas tenho medo de não estar mais te enxergando direito.
Mesmo com minha visão curta, ainda percebo você acordando todas as
manhãs, um pouco antes de mim, para se arrumar no espelho. Você sabe que
a minha memória está indo embora, como as montanhas sob a neblina. Mas
ainda me lembro da primeira vez que senti o seu cheiro de outono e do
seu riso, ficando mais baixo, ano após ano. Eu sei também que você
mentiu quando nos conhecemos ao dizer que havia lido Drummond. Você
nunca o leu, mas eu posso ler pra você com a visão e os anos que me
restam. É por você que eu espero, Anália, desde sempre. Com amor,
Pedro”.
Pedro ainda leu para Anália por sete anos. Seu
poema preferido de Drummond dizia “‘Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante, o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante”. O amor antigo carrega aquela paz
sublime como uma canção conhecida, da qual se conhece todas as variações
e notas, mas com a qual sempre se emociona e se reencanta novamente.
Anália ensinou-me isso. Agora, é ela quem espera por ele.
(Diego Engenho Novo)
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